domingo, 2 de outubro de 2016

O que Dorme

"O senhora esperta! Pode estar correta - 
Esta janela para a noite aberta? 
Os impudicos ares, nos arbóreos topos
Passam risinhos pela teia de tocos - 
Os incorpóreos ares, do mago a ruína, 
Fugazes por tua câmara, baixo e cima,
E no dossel sacode o arvoredo
Com parcimônia - com medo - 
Sobre a cerrada e franjada aba
Sob a qual se esconde e hiberna tu'alma,
Assim, ao pé da parede e ao rés chão,
Como visões as sombras vêm e vão!
Oh! Querido amor, não tens tu temor?"

- Edgar Allan Poe

domingo, 10 de julho de 2016

A Rosa do Mundo

"Quem sonhou que a beleza passa como um sonho?
Por estes lábios vermelhos, com todo o seu magoado orgulho,
Tão magoados que nem o prodígio os pode alcançar,
Tróia desvaneceu-se em alta chama fúnebre,
E morreram os filhos de Usna.

Nós passamos e passa o trabalho do mundo:
Entre humanas almas que se agitam e quebram
Como as pálidas águas e seu fluxo invernal,
Sob as estrelas que passam, sob a espuma do céu,
Vive este solitário rosto.

Inclinai-vos, arcanjos, em vossa incerta morada:
Antes de vós, ou de qualquer palpitante coração,
Fatigado e gentil alguém esperava junto ao seu trono;
Ele fez do mundo um caminho de erva
Para os seus errantes pés".

(William Butler Yeats)

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Os Ossos da Dor

"Dourados são os ossos da dor.
Seu brilho não tem para onde ir.
Ele submerge,
Perfura a neve.

As lágrimas dos pais que bebemos
O leite materno e o corpo putrefato afinal
Podemos sonhar mas não pensar.
Dourados ossos enfeitam as bordas.

Prata cobre seda dourada.
A dor é água ferida por leite.
Ataque cardíaco, assassino, câncer.
Quem iria imaginar que esses ossos fossem tão bons dançarinos.

Dourados são os ossos da dor.
Esqueleto sustenta esqueleto.
Palavras de fantasmas não são para entender.
Ignorância é o que há para aprender".


(Stan Rice, Some Lamb, 1975
In: O Servo dos Ossos. Anne Rice)

domingo, 22 de maio de 2016

The Misty Moutain's Cold





Far over the misty mountains cold
To dungeons deep and caverns old 
We must away, ere break of day, 
To find our long-forgotten gold. 

The pines were roaring on the height,
The winds were moaning in the night. 
The fire was red, it flaming spread; 
The trees like torches blazed with light. 

Far over the misty mountains cold
To dungeons deep and caverns old 
We must away, ere break of day, 
To find our long-forgotten gold. 

The pines were roaring on the height,
The winds were moaning in the night. 
The fire was red, it flaming spread; 
The trees like torches blazed with light. 


P.S.: Uma das várias versões da música dos anões de Tolkein.



segunda-feira, 2 de maio de 2016

quinta-feira, 7 de abril de 2016

Os Cisnes

"A vida, manso lago azul algumas
Vezes, algumas vezes mar fremente,
Tem sido para nós constantemente
Um lago azul sem ondas, sem espumas,

Sobre ele, quando, desfazendo as brumas
Matinais, rompe um sol vermelho e quente,
Nós dois vagamos indolentemente,
Como dois cisnes de alvacentas plumas.

Um dia um cisne morrerá, por certo:
Quando chegar esse momento incerto,
No lago, onde talvez a água se tisne,

Que o cisne vivo, cheio de saudade,
Nunca mais cante, nem sozinho nade,
Nem nade nunca ao lado de outro cisne!"

(Júlio Salusse)

terça-feira, 5 de abril de 2016

O Amor

"Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados;
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei-lhe,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos;
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos
Como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa,
Assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento,
Trabalha para vossa poda.
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração.
Ele vos debulha para expor vossa nudez.
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas.
Ele vos mói até a extrema brancura.
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma
No pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós
Para que conheçais os segredos de vossos corações
E, com esse conhecimento,
Vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor,
Procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós que cobrísseis vossa nudez
E abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir.
Porque o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga:
“Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes:
“Eu estou no coração de Deus”.
E não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos,
Determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo
Senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos,
Sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor e serdes como um riacho
Que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor de sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado
E agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia
E meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes para casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o bem-amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança".

(Do livro: O Profeta – Gibran Khalil Gibran)

segunda-feira, 21 de março de 2016

Soneto

"Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s'estertora
N'ânsia letal que mata e que o devora
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras, 
Sombrio e mudo e glacial, senhora, 
Como um coveiro a sepultar quimeras!"

(Augusto dos Anjos)

sexta-feira, 18 de março de 2016

Lucifer of Liège ou Le Génie du mal

A estrutura original da Catedral de São Paulo de Liège na Bélgica, remonta ao século X, mas foi construída ao longo de algumas vezes, e hoje, a arquitetura em sua maioria é datada do século XIII e XV. Em meio a essa maravilha gótica, repleto de obras de arte religiosa, fica uma impressionante estátua de alabastro do anjo caído Lúcifer incorporado no nicho da escada do púlpito.


terça-feira, 8 de março de 2016

Hipátia de Alexandria


A situação crítica da mulher alcançou seu paroxismo trágico por ocasião do assassinato da astrônoma, matemática e filósofa Hipátia (370–415 d.C), residente em Alexandria, Egito. Escreveu e comentou sobre as obras de Diofanto, Cláudio Ptolomeu e Apolônio de Perga. Foi reconhecida como a principal mente da escola filosófica neoplatônica de Alexandria. Sua eloqüência, beleza e dotes intelectuais atraíam uma grande quantidade de alunos. Foi convidada a tomar lugar na cadeira que Plotino ocupava na Biblioteca de Alexandria. Inventou o hidrômetro, aparelho que mede a gravidade específica de um líquido, e o astrolábio, aparelho usado para localizar astros no céu. Sobre ela escreveu Sócrates, o Escolástico:


domingo, 6 de março de 2016

Salgueiros de Shakespeare

"Perto de um plátano
Suspirando, sentou-se a pobre alma.
Chorai todos o verde salgueiro!
A mão no peito, a cabeça curvando,
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Fresco regato ali corria perto dela
E murmurava seus lamentos.
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
O amargo pranto que dos olhos lhe corria
As próprias pedras amolecia...
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Cantai todos que de um verde salgueiro
Uma grinalda para mim farei.
Ninguém lhe censure o desdém que aprovo.
Eu, falso meu amor chamei.
Que disse ele então?
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Cada traição só enche mais tua cama!"
(Otelo. Ato IV. Cena III)

"Farei uma cabana de salgueiro em teu portão,
E meu espírito entrará em sua morada;
Comporei canções de um amor proibido,
E cantarei insistentemente até mesmo na calada da noite;
Gritarei teu nome para que as colinas ressoem,
E transformem o balbuciar do vento
em um grito: 'Olivia!', você não deve descaçar
entre os elementos do céu e da terra,
mas você deve ter miseriórdia de mim."
(Twelfth Night. Ato I Cena V)

“Na margem da vizinha ribeira cresce um salgueiro, 
cuja prateada folhagem se reflete nas águas cristalinas. 
Tua irmã aproximou-se daquele sitio, sempre tecendo grinaldas de rainúnculos, ortigas, 
malmequeres, e dessas flores a que os nossos pastores dão um nome bem grosseiro, 
mas que as nossas castas donzelas denominam poeticamente “dedo da morte”. 
Quando procurava ornar com as suas inocentes grinaldas as argênteas frondes do salgueiro, 
oh! desgraça! descuidosa foi envolvida na corrente,
 cercada dos ornatos que lhe serviam como de corôa virginal. 
Algum tempo suspensa pelas vestes sobre a corrente, assimilhava-se a uma sereia, 
cantando incoerentes trechos, inconsciente do próprio risco, 
como se estivesse no seu nativo elemento. 
Mas tudo tem um fim, e em breve, sossobrando pelo peso das encharcadas vestes, 
cessou de cantar, e tornou-se cadáver levado pela corrente.”
(Hamlet. Ato IV. Cena VII)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Ler devia ser Proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary.


quarta-feira, 2 de março de 2016

O Fantasma e a Canção

Orgulho! desce os olhos dos céus sobre ti mesmo, 
e vê como os nomes mais poderosos vão se refugiar numa canção. 
(Byron)

- QUEM BATE? - "A noite é sombria!"
- Quem bate? - "É rijo o tufão!...
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão."
- Quem bate? - "O nome qu'importa?
Chamo-me dor... abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!"
- Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?" - Talvez.
- "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis.
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado - já foi cetro!
Meus trapos - manto real!"

- Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
- "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!... Reinava a orgia!...
Festa! Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!"

- Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
- "Silêncio! De longe eu venho...
Também meu túmulo morreu.
O séc'lo - traça que medra
Nos livros feitos de pedra - 
Rói o mármore, cruel.
O tempo - Átila terrível
Quebra co'a pata invisível
Sarcófago e capitel.

"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Solon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon...
O motim - Nero profano -
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!

"Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

"Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!..."
- "Entra! -: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
- "Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso - é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe - é a púrpura extrema,
Último trono - é o poema!
Último asilo - a Canção!..."

(Castro Alves)
Bahia, 13 de dezembro de 1869.
Espumas Flutuantes. p. 31, 1997

terça-feira, 16 de fevereiro de 2016

Timidez

"Basta-me um pequeno gesto,
feito de longe e de leve,
para que venhas comigo
e eu para sempre te leve…

- mas só esse eu não farei.

Uma palavra caída
das montanhas dos instantes
desmancha todos os mares
e une as terras mais distantes…

- palavra que não direi.

Para que tu me adivinhes,
entre os ventos taciturnos,
apago meus pensamentos,
ponho vestidos noturnos,

- que amargamente inventei.

E, enquanto não me descobres,
os mundos vão navegando
nos ares certos do tempo,
até não se sabe quando…
e um dia me acabarei".

(Cecília Meireles)

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

Esperança

" 'Esperança' é a coisa com penas
Que se empoleira na alma
E canta um som sem palavras
E nunca, mas nunca, pára,

E mais doce é ouvido no vendaval;
E dura precisa ser a tempestade
Que poderia desanimar o passarinho
Que mantém aquecidos a tantos.

Já o ouvi nas terras mais geladas
E nos mares mais estranhos,
Entretanto nunca, mesmo no desespero,
Ele pediu uma migalha a mim".

(Emily Dickinson)

terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Trevas

Eu tive um sonho que não era em todo um sonho
O sol esplêndido extinguira-se, e as estrelas
Vagueavam escuras pelo espaço eterno,
Sem raios nem roteiro, e a enregelada terra
Girava cega e negrejante no ar sem lua;
Veio e foi-se a manhã - Veio e não trouxe o dia;
E os homens esqueceram as paixões, no horror
Dessa desolação; e os corações esfriaram
Numa prece egoísta que implorava luz:
E eles viviam ao redor do fogo; e os tronos,
Os palácios dos reis coroados, as cabanas,
As moradas, enfim, do gênero que fosse,
Em chamas davam luz; As cidades consumiam-se
E os homens juntavam-se junto às casas ígneas
Para ainda uma vez olhar o rosto um do outro;
Felizes enquanto residiam bem à vista
Dos vulcões e de sua tocha montanhosa;
Expectativa apavorada era a do mundo;
Queimavam-se as florestas - mas de hora em hora
Tombavam, desfaziam-se - e, estralando, os troncos
Findavam num estrondo - e tudo era negror.
À luz desesperante a fronte dos humanos
Tinha um aspecto não terreno, se espasmódicos
Neles batiam os clarões; alguns, por terra,
Escondiam chorando os olhos; apoiavam
Outros o queixo às mãos fechadas, e sorriam;
Muitos corriam para cá e para lá,
Alimentando a pira, e a vista levantavam
Com doida inquietação para o trevoso céu,
A mortalha de um mundo extinto; e então de novo
Com maldições olhavam para a poeira, e uivavam,
Rangendo os dentes; e aves bravas davam gritos
E cheias de terror voejavam junto ao solo,
Batendo asas inúteis; as mais rudes feras
Chagavam mansas e a tremer; rojavam víboras,
E entrelaçavam-se por entre a multidão,
Silvando, mas sem presas - e eram devoradas.
E fartava-se a Guerra que cessara um tempo,
E qualquer refeição comprava-se com sangue;
E cada um sentava-se isolado e torvo,
Empanturrando-se no escuro; o amor findara;
A terra era uma idéia só - e era a de morte
Imediata e inglória; e se cevava o mal
Da fome em todas as entranhas; e morriam
Os homens, insepultos sua carne e ossos;
Os magros pelos magros eram devorados,
Os cães salteavam seus donos, exceto um,
Que se mantinha fiel a um corpo, e conservava
Em guarda as bestas e aves e famintos homens,
Até a fome os levar, ou os que caíam mortos
Atraírem seus dentes; ele não comia,
Mas com um gemido comovente e longo, e um grito
Rápido e desolado, e relambendo a mão
Que já não o agradava em paga - ele morreu.
Finou-se a multidão de fome, aos poucos; dois,
Dois inimigos que vieram a encontrar-se
Junto às brasas agonizantes de um altar
Onde se haviam empilhado coisas santas
Para um uso profano; eles a resolveram
E trêmulos rasparam, com as mãos esqueléticas,
As débeis cinzas, e com um débil assoprar
E para viver um nada, ergueram uma chama
Que não passava de arremedo; então alçaram
Os olhos quando ela se fez mais viva, e espiaram
O rosto um do outro - ao ver gritaram e morreram
- Morreram de sua própria e mútua hediondez,
- Sem um reconhecer o outro em cuja fronte
Grafara o nome "Diabo". O mundo se esvaziara,
O populoso e forte era uma informe massa,
Sem estações nem árvore, erva, homem, vida,
Massa informe de morte - um caos de argila dura.
Pararam lagos, rios, oceanos: nada
Mexia em suas profundezas silenciosas;
Sem marujos, no mar as naus apodreciam,
Caindo os mastros aos pedaços; e, ao caírem,
Dormiam nos abismos sem fazer mareta,
mortas as ondas, e as marés na sepultura,
Que já findara sua lua senhoril.
Os ventos feneceram no ar inerte, e as nuvens
Tiveram fim; a escuridão não precisava
De seu auxílio - as trevas eram o Universo.

Lord Byron
(Tradução de Castro Alves)

segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Espíritos dos Mortos

I
Tua alma solitária se verá
Sombria, meditando num jazigo...
Ninguém, da multidão, perscrutará
Esse instante em que estás a sós contigo.

II
Guarda silêncio nessa solidão,
Que não é um exílio—pois então
Os espíritos dos mortos, que de frente
Viste quando viviam, novamente
Na morte te rodeiam... seus desejos
Vêm obscurecer­‑te: oh, sê silente.

III
A noite, embora clara, há­‑de cerrar­‑se,
E o olhar dos astros não há­‑de inclinar­‑se
Dos seus tronos no alto, celestiais,
Luzindo com Esperança aos mortais...
Mas suas rubras orbes, sem halos,
Semelharão, por entre teu cansaço
Um ardor, uma febre, um abalo...
Capazes de prender­‑te como um laço.

IV
Então surgem ideias que não espantas...
Então surgem visões que não falecem...
E que na tua alma permanecem
Sempre... como o orvalho sobre as plantas.

V
Queda­‑se a brisa... essa brisa divina...
E a névoa que recobre a colina,
Sombria... sombria... porém contínua,
É um sinal... um símbolo etéreo
Que por sobre os ciprestes se insinua
Ah, mistério entre os mistérios!…

(Edgar Allan Poe)

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

O Cisne

Calmo, do espelho azul d'água profunda e calma
à face errando, os pés, lânguido, o cisne espalma
E desliza. Da neve os raros flocos brancos
Lembra o fino frouxel que lhe amacia os flancos;
Línea vela parece a asa que encurva e brande,
Esbelto, e ora retrai, ora sacode e expande;
Entre as ninféias indo, o alvo pescoço apruma,
Colhe-o após, some-o n’água, estende-o sobre a espuma,
Curva-o mole e gracioso, e ânfora antiga imita.

Dos pinheiros ao longo, onde o silêncio habita
E a paz e a sombra, vai; rastejando na esteira,
Que atrás fica, semelha intensa cabeleira
A basta ervagem fresca a palpitar. A gruta,
Que a alma atrai do poeta e a voz da tarde escuta,
Praz-lhe e a fonte que além flui, regurgita e bolha.
Vendo-as, lento se arrasta. às vezes numa folha
Leve cai do salgueiro e, em sua queda, leve,
Roça-lhe, muda sombra, as plumas cor de neve.
Caminha agora ao largo; o implexo da ramagem
Deixa e a parte procura onde o esplendor selvagem
Diz melhor com o brilhar d’água anilada e pura.
Do lado é a parte mais azul que ele procura;
E lá vai... a cismar sobre as ondas serenas,
Entrega à luz do sol a brancura das penas.

Depois, quando, em redor, se confundem, caindo
A noite, do amplo lago as margens, e no infinito
Horizonte há somente um ponto avermelhado;
Quando tudo quedou, quando no ilimitado
Do céu paira da lua o globo enorme e albente;
Quando acende o lampiro a luz fosforescente,
E nem o menor sopro o débil junco embala:
O cisne, sob o olhar dessa noite de opala,
Em seu lago sombrio, enfim, descansa; e, acaso
Visto de alguém, assim, lembra de prata um vaso...
Põe sob a asa a cabeça, os olhos sonolentos
Fecha, e dorme, feliz, entre dois firmamentos.

Sully Prudhomme
(René Armand François Prudhomme)
(Trad. de Alberto de Oliveira)

P.S.: Devo aqui apresentar minhas desculpas pelo longo desaparecimento. Estive passando por alguns maus momentos e infelizmente deixei o blog algo que eu realmente aprecio escrever, como também, de ler os posts de meus queridos seguidores. Prometo ser mais assídua neste ano.