segunda-feira, 21 de março de 2016

Soneto

"Ouvi, senhora, o cântico sentido
Do coração que geme e s'estertora
N'ânsia letal que mata e que o devora
E que tornou-o assim, triste e descrido.

Ouvi, senhora, amei; de amor ferido,
As minhas crenças que alentei outrora
Rolam dispersas, pálidas agora,
Desfeitas todas num guaiar dorido.

E como a luz do sol vai-se apagando!
E eu triste, triste pela vida afora,
Eterno pegureiro caminhando,

Revolvo as cinzas de passadas eras, 
Sombrio e mudo e glacial, senhora, 
Como um coveiro a sepultar quimeras!"

(Augusto dos Anjos)

sexta-feira, 18 de março de 2016

Lucifer of Liège ou Le Génie du mal

A estrutura original da Catedral de São Paulo de Liège na Bélgica, remonta ao século X, mas foi construída ao longo de algumas vezes, e hoje, a arquitetura em sua maioria é datada do século XIII e XV. Em meio a essa maravilha gótica, repleto de obras de arte religiosa, fica uma impressionante estátua de alabastro do anjo caído Lúcifer incorporado no nicho da escada do púlpito.


terça-feira, 8 de março de 2016

Hipátia de Alexandria


A situação crítica da mulher alcançou seu paroxismo trágico por ocasião do assassinato da astrônoma, matemática e filósofa Hipátia (370–415 d.C), residente em Alexandria, Egito. Escreveu e comentou sobre as obras de Diofanto, Cláudio Ptolomeu e Apolônio de Perga. Foi reconhecida como a principal mente da escola filosófica neoplatônica de Alexandria. Sua eloqüência, beleza e dotes intelectuais atraíam uma grande quantidade de alunos. Foi convidada a tomar lugar na cadeira que Plotino ocupava na Biblioteca de Alexandria. Inventou o hidrômetro, aparelho que mede a gravidade específica de um líquido, e o astrolábio, aparelho usado para localizar astros no céu. Sobre ela escreveu Sócrates, o Escolástico:


domingo, 6 de março de 2016

Salgueiros de Shakespeare

"Perto de um plátano
Suspirando, sentou-se a pobre alma.
Chorai todos o verde salgueiro!
A mão no peito, a cabeça curvando,
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Fresco regato ali corria perto dela
E murmurava seus lamentos.
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
O amargo pranto que dos olhos lhe corria
As próprias pedras amolecia...
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Cantai todos que de um verde salgueiro
Uma grinalda para mim farei.
Ninguém lhe censure o desdém que aprovo.
Eu, falso meu amor chamei.
Que disse ele então?
Chorai salgueiro, salgueiro, salgueiro!
Cada traição só enche mais tua cama!"
(Otelo. Ato IV. Cena III)

"Farei uma cabana de salgueiro em teu portão,
E meu espírito entrará em sua morada;
Comporei canções de um amor proibido,
E cantarei insistentemente até mesmo na calada da noite;
Gritarei teu nome para que as colinas ressoem,
E transformem o balbuciar do vento
em um grito: 'Olivia!', você não deve descaçar
entre os elementos do céu e da terra,
mas você deve ter miseriórdia de mim."
(Twelfth Night. Ato I Cena V)

“Na margem da vizinha ribeira cresce um salgueiro, 
cuja prateada folhagem se reflete nas águas cristalinas. 
Tua irmã aproximou-se daquele sitio, sempre tecendo grinaldas de rainúnculos, ortigas, 
malmequeres, e dessas flores a que os nossos pastores dão um nome bem grosseiro, 
mas que as nossas castas donzelas denominam poeticamente “dedo da morte”. 
Quando procurava ornar com as suas inocentes grinaldas as argênteas frondes do salgueiro, 
oh! desgraça! descuidosa foi envolvida na corrente,
 cercada dos ornatos que lhe serviam como de corôa virginal. 
Algum tempo suspensa pelas vestes sobre a corrente, assimilhava-se a uma sereia, 
cantando incoerentes trechos, inconsciente do próprio risco, 
como se estivesse no seu nativo elemento. 
Mas tudo tem um fim, e em breve, sossobrando pelo peso das encharcadas vestes, 
cessou de cantar, e tornou-se cadáver levado pela corrente.”
(Hamlet. Ato IV. Cena VII)

quinta-feira, 3 de março de 2016

Ler devia ser Proibido

A pensar fundo na questão, eu diria que ler devia ser proibido.

Afinal de contas, ler faz muito mal às pessoas: acorda os homens para realidades impossíveis, tornando-os incapazes de suportar o mundo insosso e ordinário em que vivem. A leitura induz à loucura, desloca o homem do humilde lugar que lhe fora destinado no corpo social. Não me deixam mentir os exemplos de Dom Quixote e Madame Bovary.


quarta-feira, 2 de março de 2016

O Fantasma e a Canção

Orgulho! desce os olhos dos céus sobre ti mesmo, 
e vê como os nomes mais poderosos vão se refugiar numa canção. 
(Byron)

- QUEM BATE? - "A noite é sombria!"
- Quem bate? - "É rijo o tufão!...
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão."
- Quem bate? - "O nome qu'importa?
Chamo-me dor... abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!"
- Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?" - Talvez.
- "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis.
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado - já foi cetro!
Meus trapos - manto real!"

- Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
- "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!... Reinava a orgia!...
Festa! Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!"

- Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
- "Silêncio! De longe eu venho...
Também meu túmulo morreu.
O séc'lo - traça que medra
Nos livros feitos de pedra - 
Rói o mármore, cruel.
O tempo - Átila terrível
Quebra co'a pata invisível
Sarcófago e capitel.

"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Solon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon...
O motim - Nero profano -
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!

"Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

"Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!..."
- "Entra! -: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
- "Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso - é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe - é a púrpura extrema,
Último trono - é o poema!
Último asilo - a Canção!..."

(Castro Alves)
Bahia, 13 de dezembro de 1869.
Espumas Flutuantes. p. 31, 1997