Ah! Foi quebrada a taça de ouro!… seu sopro ao céu se dirige!
Dobrem os sinos!… A alma santa já flutua no rio Estige;
E tu, Guy De Vere, não choras?… teu pranto se verta agora
Ou nunca mais! Vê! No esquife jaz hirta a tua Lenora!
Vá, cumpra‑se o rito fúnebre: que a elegia se ouça!
Louvando a rainha dos mortos que morreu louçã e moça...
Pois duas vezes morreu quem tão jovem pereceu.
«Pulhas! Cobiçando‑lhe a fortuna, seu orgulho desdenhastes;
E quando ela adoeceu—e morreu—a abençoastes!
Como podeis cumprir tais ritos, cantar‑lhe o funéreo hino?
Como, se vosso olho é maldito, vossa língua viperina?
Se a inocência roubastes a quem tão jovem matastes?»
Peccavimus... mas não te agastes! Que o Sabat por nós se
entoe,
E o réquiem apraza a Deus e da morte não destoe!
Partiu antes de ti, Lenora, enlevada pelas esperanças,
E deixou‑te tresloucado, chorando a noiva‑criança...
Chorando a amada etérea, que já na terra se deita,
E a vida lhe aflora os cabelos, mas por seus olhos não
espreita...
Ainda há vida nos cabelos, mas morte nos olhos belos.
«Fora! de vós, biltres, se evola a santa alma ultrajada...
Do Inferno ao Paraíso, para celeste morada...
Do vosso rude abandono para o trono que Deus guarda!
Não dobrem os sinos, então, para que em júbilo celeste
Sua alma não capte o som que vem da náusea terrestre!
A noite cai leve em meu peito... Não quero réquiem! Só resta
Inspirar‑lhe o voo alado com um Péan do passado!»
(Edgar Allan Poe)
(Tradução: Margarida Vale de Gato. Lisboa. 2009)