sábado, 7 de dezembro de 2013

Os Seis Cisnes - Os Irmãos Grimm

Ilustração de Elenore Abbott
Estando um rei a caçar numa grande floresta, saiu em perseguição de uma peça com tal fervor, que nenhum dos seus companheiros conseguiu segui-lo.

Ao anoitecer, parou o seu cavalo e, olhando em redor, apercebeu-se de que se tinha perdido e, embora tratando de procurar uma saída, não conseguiu encontrar nenhuma. Viu então uma velha, que se aproximava. Era uma bruxa.



- Boa senhora – disse o rei – Podia indicar-me um caminho para sair da floresta?.
- Oh, sim, Senhor Rei – respondeu a velha- Posso sim, mas com uma condição. Se não aceitar, nunca sairá desta floresta. E morrerá à fome.
- E que condição é essa? -perguntou o rei.
- Tenho uma filha – declarou a velha -, bela como não encontrará outra igual no mundo inteiro, e muito digna de ser a sua esposa. Se comprometer-se a torná-la Rainha, mostrar-lhe-ei o caminho   para sair da floresta.

O Rei, embora angustiado no seu coração, aceitou o acordo, e a velha o levou à sua casinha, onde a sua filha estava sentada junto ao fogo. Recebeu o rei como se estivesse à sua espera e, embora o rei comprovasse que era realmente muito bela, não gostou dela, e não conseguia olhar para ela sem um secreto terror. Quando a donzela montou no seu cavalo, a velha indicou o caminho ao Rei, e o casal chegou sem contratempos ao palácio, onde pouco depois foi celebrado o casamento.

O Rei já tinha sido casado e, da sua primeira esposa, tinha ficado com sete filhos: seis rapazes e uma rapariga, os quais amava mais que tudo no mundo.
Temendo que a madrasta os tratasse mal, levou-os a um castelo solitário, que surgia no meio de uma floresta.

Estava tão oculto e o caminho que levava até lá era tão difícil, que nem ele próprio teria sido capaz de segui-lo se não fosse por um novelo de lã maravilhoso que uma fada lhe tinha oferecido. Quando o lançava à sua frente, desenrolava-se sozinho e mostrava-lhe o caminho.

Mas, o rei saia com tanta frequência para visitar os seus filhos que aquelas ausências chocaram a rainha, que sentiu curiosidade por saber o que ia fazer sozinho à floresta. Subornou os criados e estes revelaram os segredos, contando também o referente ao novelo, o único capaz de indicar o caminho. Desde então, a mulher não descansou até averiguar o local onde o seu marido guardava a milagrosa madeixa.

Depois, confeccionou umas camisolas de seda branca e, pondo em prática as artes de bruxaria aprendidas com a sua mãe, enfeitiçou as roupas.
Um dia em que o rei saiu para caçar, pegou nas camisolas e dirigiu-se para a floresta. O novelo indicou-lhe o caminho.

As crianças, ao ver ao longe que alguém se aproximava, pensando que seria o seu pai, correram para recebê-lo, cheios de alegria. Então ela tirou de cada um, uma das camisolas e, ao tocar os seus corpos, transformou-os em cisnes, que fugiram voando por cima da floresta. Já satisfeita, regressou a casa acreditando que estava livre dos seus enteados. Mas, resultou que a rapariga não tinha saído com os seus irmãos, e a rainha ignorava a sua existência.

No dia seguinte, o rei foi visitar os seus filhos e só encontrou a rapariga.
-Onde estão os teus irmãos? – perguntou o rei.
-Ah, meu pai! – respondeu a pequena – Foram embora e deixaram-me sozinha – e contou o que tinha visto desde a janela: como os irmãos, transformados em cisnes, tinham saído a voar por cima das árvores; e mostrou as penas que tinham deixado cair e ela tinha apanhado.

O rei entristeceu-se, sem pensar que a rainha fosse a artista daquela maldade. Temendo que também fosse roubada a rapariga, quis levá-la com ele. Mas, a pequena tinha medo da sua madrasta e rogou ao pai que lhe permitisse passar aquela noite no castelo solitário.

Pensava a pobre rapariga: “Não posso ficar aqui! Tenho de sair e procurar os meus irmãos” E, ao chegar a noite, fugiu através da floresta. Andou toda a noite e todo o dia seguinte sem descansar, até que o cansaço a venceu.

Vendo uma cabana solitária, entrou nela e encontrou um quarto com seis camas pequenas, mas não se atreveu a deitar-se em nenhuma, deslizando debaixo de uma delas, disposta a passar a noite no duro chão. Mas, ao por do sol, ouviu um rumor e, ao mesmo tempo, viu seis cisnes que entravam pela janela. Pousaram no chão e sopraram-se mutuamente as penas, até que estas caíram, deixando a sua pele de cisne alisada como uma camisola. Então, a rapariga reconheceu os seus irmãos e, feliz, saiu de debaixo da cama.

Também se alegraram eles ao ver a sua irmã, mas a alegria foi de curta duração.
- Não podes ficar aqui – disseram-lhe-, pois isto é uma guarida de bandidos. Se te virem aqui quando chegarem, irão matar-te.
- E vocês não me podem proteger? -perguntou a rapariga.
- Não – responderam eles-, pois só nos é permitido livrar-nos, cada noite, da nossa plumagem de cisne, durante um quarto de hora, tempo durante o qual podemos viver na nossa figura humana, mas depois voltamos a transformarmos em cisnes.
Perguntou a irmãzinha, chorando: – E não há forma de vos tirar o feitiço?
-Não – disseram eles-, as condições são demasiado terríveis. Deverias permanecer durante seis anos sem falar nem rir e, neste tempo, terias que confeccionarmos seis camisolas de “velloritas”. Uma única palavra que saísse da tua boca, deitaria tudo a perder.

E quando os irmãos disseram isto, passado já o quarto de hora, voltaram a levantar voo, saindo pela janela. Mas, a moça tinha adotado a firme resolução de redimir os seus irmãos, mesmo que lhe custasse a vida.

Saiu da cabana e foi à floresta, onde passou a noite, oculta entre os ramos de uma árvore. Na manhã seguinte começou a recolher “velloritas” para fazer as camisolas. Não podia falar com ninguém, e quanto a rir, bem poucos motivos tinha. Levava já muito tempo naquela situação, quando o rei daquele país, indo de caça pela floresta, passou perto da árvore que servia de morada à rapariga.
Uns monteiros viram-na e chamaram-na.
-Quem és? – Mas ela não respondeu. – Baixa da árvore – insistiram os homens – Não te faremos mal.

Mas a donzela limitou-se a sacudir a cabeça. Os caçadores continuaram a acossá-la com perguntas, e ela atirou-lhes a corrente de ouro que levava ao pescoço, pensando que assim ficariam satisfeitos. Mas como os homens insistiram, atirou o cinto e depois as ligas e, pouco a pouco, todas as prendas das que se pode desprender, ficando por fim, só com a camisola.

Mas os teimosos caçadores subiram à árvore e, descendo a rapariga, levaram-na ante o rei, que lhe perguntou: – Quem és? O que tas a fazer na árvore?
Mas ela não respondeu. O rei insistiu, formulando de novo as mesmas perguntas em todas as línguas que conhecia, mas foi em vão, ela permaneceu sempre muda.

No entanto, vendo-a tão bela, o rei ficou enternecido, e na sua alma nasceu um grande amor pela rapariga. Embrulhou-a no seu manto e, subindo-a ao seu cavalo, levou-a ao palácio. Uma vez ali mandou vesti-la com ricos vestidos, vendo-se então a donzela mais bela do que a luz do dia. Mas não houve forma de lhe arrancar uma única palavra. Sentou-a ao seu lado na mesa e gostou tanto da sua modéstia e atitude que disse: Quero-a por esposa, e não hei de querer nenhuma outra no mundo.

E passados uns dias, foi celebrado o casamento. Mas a mãe do rei era uma mulher má, que não gostou desse casamento, e não parava de falar mal da sua nora: – Sabe-se lá de onde é que saiu esta rapariga que não fala! – murmurava -. É indigna de um rei.

Passado algo mais de um ano, quando a rainha teve o seu primeiro filho, a velha tirou-lho enquanto dormia, e sujou de sangue a boca da mãe. Depois se dirigiu ao rei e acusou-a de ter devorado a criança. O rei negou-se a acreditar e mandou que ninguém incomodasse a sua esposa.

Ela seguia ocupada constantemente na confecção das camisolas, sem atender mais nenhuma coisa. E com o próximo filho que teve, a sogra repetiu a maldade, sem que o rei ouvisse as suas palavras, mais uma vez. Disse: É demasiado piedosa e boa, para ser capaz de atos desses.

Se não fosse muda e pudesse defender-se, a sua inocência ficaria bem patente. Mas quando, por terceira vez, a velha roubou o bebê recém nascido e voltou a acusar a mãe sem que esta pronunciasse uma palavra na sua defesa, o rei não teve outro remédio que a entregar a um tribunal, e a infeliz rainha foi condenada a morrer na fogueira.

No dia assinalado para a execução da sentença resultou ser o que marcava o fim dos seis anos durante os quais tinha sido proibida de falar e rir. Assim tinha libertado os seus queridos irmãos do feitiço que tinha caído sobre eles. Além disso, tinha acabado as seis camisolas, e só à última faltava à manga esquerda.

Quando foi levada para a fogueira, levou as camisolas consigo e quando, já presa ao poste do tormento, dirigiu um olhar à volta, viu seis cisnes que se aproximavam a voar velozmente. Percebendo que se aproximava o momento da sua libertação, sentiu uma grande alegria. Os cisnes chegaram à fogueira e pararam sobre ela, para que a sua irmã lhes atirasse as camisolas. E mal elas tocaram os seus corpos, caiu-lhes a plumagem de ave e surgiram os seis irmãos na sua forma natural, sãos e belos. Só ao mais novo faltava o braço esquerdo, substituído por uma asa de cisne. Abraçaram-se e beijaram-se, e a rainha, dirigindo-se ao rei, que assistia consternado à cena, começou finalmente a falar, e disse: – Esposo meu amadíssimo, agora já posso falar e declarar que tenho sido caluniada e acusada falsamente – e contou os enganos de que tinha sido vítima pela maldade da velha, que lhe tinha roubado as três crianças, ocultando-as.

As crianças foram recuperadas, com grande alegria do rei, e a perversa sogra, como castigo, teve de subir à fogueira e morrer queimada. O rei e a rainha, com os seus seis irmãos, viveram longos anos em paz e felicidade.

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