Hoje dia 20/12/2012 véspera do fim do
Mundo vamos comemorar o 200º Aniversário dos Irmãos Grimm. Por isso, resolvi
descrever um pouco da vida e obra destes dois famosos escritores clássicos
eternizados em Contos de Fadas. Se não fosse por eles e suas histórias que ouvi
e aprendi desde criança, talvez não teria esta imaginação fértil que
possuo.
Os irmãos
Grimm, que nos legaram os contos hoje conhecidos como “Os Contos dos Irmãos
Grimm”, eram sisudos eruditos que dedicaram boa parte de suas vidas à pesquisa.
Jacob nasceu em 1785 e Wilhelm, um ano
depois. O pai deles, um advogado, faleceu quando eram ainda crianças, mas a mãe
decidiu que os dois seguiriam os passos do pai – o que fizeram com o auxílio
financeiro de uma tia. Nasceram em Hanau, Hesse, e freqüentaram a universidade
em Kassel, onde ambos formaram-se com sucesso em Direito. Não possuíam recursos
para se estabelecerem como advogados e precisavam sustentar a mãe, então aceitaram
o que lhes foi oferecido. Jacob tornou-se assistente de um faoso especialista
em lei romana, o Professor Savigny, quem lhe ensinou a pesquisa e plantou em
sua mente tal amor por esta. Jacob tornou-se um dos grandes homens de seu tempo
– não em matérias de lei, mas em filologia, o estudo da linguagem. Ambos
irmãos eram fascinados por este estudo e seus interesses eram tão abrangentes e
profundos que o Professor William P. Ker descreveu a filologia como sendo, para
eles, o estudo não apenas das palavras, mas da História, da Alemanha, da Idade
Média, das Letras Clássicas e da Raça Humana.
Logo Jacob e Wilhelm conseguiram
ocupações que lhes permitiram dedicarem-se a seus interesses pessoais, dando
início a um tratado sobre a língua germânica. Desenvolveram uma teoria que
ficou universalmente conhecida como a Lei dos Grimm. Em todos os seus estudos
foram pioneiros, começando do zero, sem nada, em absoluto, em que apoiarem-se:
nem estudos anteriores de outros, nem dicionários ou guias de raízes e
derivações das palavras. Sob certo aspecto, Jacob foi melhor estudioso,
Wilhelm, melhor escritor, mas trabalhavam juntos em tal colaboração que é quase
impossível distinguir suas contribuições. Por dez anos dedicaram-se à Gramática
Germânica; depois enfronharam-se na mitologia de sua gente com o mesmo
afinco, determinados em estabelecer algo comparável aos mitos nórdicos e
eslavos, já bastante divulgados. Foi esta tarefa que concedeu ao mundo os
contos de fadas, coletados como parte da evidência necessária desse trabalho
mais amplo.
Estes contos passavam oralmente das
mães aos filhos, ninguém sabia há quantas gerações, sem jamais haverem tido as
formas de suas histórias fixadas pela escrita. Assim, uma família de, digamos,
lenhadores ou carvoeiros que vivesse há séculos nas densas florestas poderia
relatá-las de modo bem diferente de uma outra família que houvesse sempre
vivido em regiões de céu aberto ou nas fazendas dos vales.
Jacob e Wilhelm ouviram com freqüência
esses contos na infância, mas agora os examinavam com outros olhos, olhos
críticos, e com a esperança de que iluminassem a história, as crenças e os
costumes da longa sucessão de camponeses alemães que haviam concedido a essas
histórias suas formas finais. Os irmãos valorizavam as histórias por seu
material folclórico, sendo portanto essencial que fossem obtidas tantas versões
de cada história quantas possíveis, e que cada uma fosse registrada com absoluta
fidelidade ao relato feito pelos camponeses em suas choupanas. “Não
acrescentamos nada de nosso”, declararam quando da publicação dos contos, “não
embelezamos nenhum de seus eventos ou traços característicos. Cada história é
recontada substancialmente como a recebemos, embora precisássemos de alguma
habilidade para distinguirmos suas versões”. Os Grimm encarregaram algumas
pessoas de confiança de irem às cozinhas buscar com as mulheres mais idosas as
histórias. Estes assistentes ouviam a mesma história vezes sem conta até as
terem em todas as suas riquezas de dialetos e detalhes. Então os irmãos
trabalhavam nos relatos com a precisão e o método característicos de seu povo,
tomando uma frase aqui, uma palavra ali, como testemunhos de lendas e mitos
esquecidos. Para eles, os gnomos, as fadas, os gigantes, os duendes das minas
e os duendes amigos dos homens eram parte de um passado esquecido. A bacia de
leite posta junto às brasas da lareira à noite pelas donas de casa para agradar
aos duendes amigos indicava, aos olhos desses filólogos, um elo direto com os
sacrifícios oferecidos antigamente aos deuses nos altares. Os irmãos aprenderam
que um gigante podia, aparentemente, ser tão velho quanto as montanhas, embora
um anão já fosse um adulto aos três anos de idade, e um velhote, aos sete. Descobriram
que algumas crianças saudáveis eram substituídas em seus berços pelas crias das
fadas para que estas últimas melhorassem os seus físicos franzinos, e que os
buracos dos nós das madeiras eram portas pelas quais os duendes e as fadas
adentravam às habitações humanas junto com os raios de sol.
Os Grimm demonstravam através de suas
personalidades a meticulosidade e a solenidade típicas dos germânicos: pouco
senso de humor e uma certa tendência para o romântico – que levou Jacob a
admitir que, mesmo em idade bem avançada, a mera palavra “misterioso”
continuava a entusiasmá-lo. Na juventude, ao menos, ele também demonstrara
verdadeiro prazer pelas coisas simples do campo. Os irmãos dedicaram sua Gramática a
Savigny, e Jacob escreveu que o verdadeiro poeta “é como um homem que se
sente imensamente feliz onde quer que esteja, se lhe for permitido apreciar as
folhas e a relva, observar o sol se levantar e se pôr. O falso poeta viaja ao
estrangeiro e anseia por se exaltar com as montanhas da Suíça, os céus e os
mares da Itália. Ele vai a estes lugares, mas permanece insatisfeito. Não é tão
feliz quanto o homem que fica em casa e vê a macieira florescer na primavera e
escuta os passarinhos cantarem em seus galhos”.
O primeiro volume de Kindermärchen foi
publicado em 1812, o segundo em 1815, o ano da batalha de Waterloo. É estranho
imaginar esses dois irmãos obstinadamente prosseguindo com suas pesquisas sobre
o folclore germânico durante os conturbados anos das guerras napoleônicas, que
tão diretamente afetaram o seu solo nativo – Napoleão havia incorporado Hesse e
Kassel ao novo Reino de Westfália. Talvez seja ainda mais estranho que a
tradução dos contos tenha chegado à Inglaterra tão rápido – apenas oito anos
depois.
Na Inglaterra, os contos de fadas
haviam tido a este tempo suas existências praticamente eliminadas pela sisudez
inglesa. Eram classificados de injuriosas tolices, capazes de perturbar as
crianças; e uma época de contos moralizantes e fatos de interesse em formatos
digeríveis tivera início. É provável que a própria seriedade com a qual os
irmãos Grimm haviam coletado os contos tenha ajudado a torná-los mais
aceitáveis na Inglaterra, abrindo assim mais uma vez os portões das terras das
fadas às crianças inglesas.
Sir Walter Scott procedera da mesma
forma ao esquadrinhar as fronteiras em busca das baladas coletadas e
preservadas em seu Border Minstrelsy. Ele compreendeu o que os
irmãos Grimm procuravam, e recomendou a edição inglesa dos contos a todos os
lares.
Logo que completaram a Teoria da
Mitologia Germânica – o que levou treze anos –, os irmãos embarcaram na
gigantesca tarefa de produzirem um Dicionário da Língua Alemã, mas ambos
faleceram antes de terminá-lo. Próximo ao fim de sua vida, Jacob por vezes
levantava as mãos, os dedos estendidos, dizendo tristemente: “Tenho um livro
pronto a sair da ponta de cada um dos meus dez dedos – mas não sou livre”.
Quando tinha uns trinta anos, Jacob
exercera um posto na Universidade de Göttingen e fora um dos sete professores
que assinaram um protesto contra a interferência do rei de Hanover (aquela
personalidade duvidosa, Ernesto, o Duque de Cumberland) em suas liberdades
acadêmicas. Foi despedido da Universidade e banido do reino. Parecia um
desastre, pois como poderia trabalhar sem o acesso a uma biblioteca erudita? Retornou
a Kassel e labutou como pôde mas, felizmente, após três anos, o Rei da Prússia
lhe ofereceu um cargo na Universidade de Berlim, onde daria continuidade ao seu
trabalho.
Um outro filólogo famoso, Vigfusson,
legou-nos uma vívida descrição de Jacob Grimm aos setenta e quatro anos, quando
vivia em um apartamento na Linkstrasse, em Berlim. Não era muito alto, mas
tinha um porte ereto, sua cabeça grande inclinava-se levemente, como se em
pensamento. Tinha o rosto barbeado e carregava um semblante sério que pouco se
alterava. Seus cabelos eram volumosos, lisos e prateados. Ler e escrever haviam
cansado seus olhos, mas não usava óculos; ainda assim era capaz de encontrar o
exato livro procurado e até mesmo de abri-lo na exata linha desejada. Era
ordeiro em suas vestimentas e não fumava. A sala onde trabalhava, limpa e
arejada; as paredes, cobertas de livros e, como única mobília, uma mesa maciça
ao centro, e um banco ou sofá sem recosto ou apoio para a cabeça. Enormes
volumes in-fólio se espalhavam por toda parte, alguns recostados nos pés da
mesa. Jacob não demonstrava sinal de orgulho ou de vaidade, não desejava falar
de si mesmo, apenas do trabalho de outros homens. Conta-se que Hans Christian
Andersen (uma personalidade bastante diversa, sempre guiado pelo coração e
pela imaginação, por demais sensível, por demais terno e desejoso de
felicidade) certa vez partiu alegremente de Copenhague para visitar estes (na
sua concepção) seus irmãos artistas. Encontrou o apartamento e indagou por
eles. Perguntaram-lhe qual irmão Grimm gostaria de ver. – “O... o que escreve
os contos de fadas” – gaguejou, começando a desejar nunca ter vindo. Foi levado
a Wilhelm. Inclinaram-se, cumprimentando-se. O “comprido” Andersen olhou de
cima de sua desajeitada altura para o grave e circunspecto Grimm. Wilhelm
repetiu o nome de Andersen sacudindo a cabeça negativamente. Nunca ouvira falar
em Hans Christian Andersen. Andersen tentou explicar. Escrevia contos de fadas.
Suas obras haviam sido incluídas junto com a dos irmãos em um volume
traduzido... Wilhelm ainda balançava a cabeça. Não, de modo algum; nada sabia
de Andersen e de seus contos. Talvez Jacob pudesse ajudar, não? Mas Andersen,
magoado, com lágrimas nos olhos, já se retirava.
L&PM: Vida & Obra - Os Irmãos Grimm
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