terça-feira, 8 de julho de 2014

Mortua Est

Como lírios velando sôbre os túmulos úmidos,
Ou badalar solene de um sino às horas graves,
Ou sonho que mergulha suas asas na amargura,
Assim atravessaste os penetrais do mundo.

Passasste, quando o céu lembra um campo sereno
Com seus rios de leite e mil flôres luz,
Ou quando as nuvens erguem seus solares sombrios
Abertos para a lua-rainha os visitar.

Vejo-te como sombra de prata reluzindo
As asas rijas, sôltas em direção do céu,
Subindo por degraus de nuvens, com a alma pálida
Contra as chuvas e os raios e as nevascas, ao léu.

Um raio te arrebata, um canto te conduz,
E vais, os braços alvos sôbre o peito cruzados,
Ao som da roca andando seus fios encantados,
Enquanto águas de prata refletem de ouro o ar.

Vejo tua alma pura passar pelos espaços,
Depois, contemplo a argila que alva e fria ficou...
Sôbre as vestes compridas, teu sorriso perene,
Que insiste ainda, vivo apesar do caixão.

E atingido na dúvida, pergunto ao meu espírito
Porque a tua morte, ó anjo de rosto vegetal?
Ainda há pouco jovem e linda, linda e jovem,
Quem sabe te escolheram para o frescor do sol!

É possível que encontres, aonde fôste, castelos
Com arcos de ouro armados em bases siderais,
Rios de fogo fluindo sob pontes de prata,
Junto às orlas de mirra e flôres que ressoem.

É possível que passes por ela, ó rainha,
Santa de cabeleira longa, olhar de luz,
Com tua fronte castanha num diadema de louros,
Com bordados de ouro na tua roupa de azul.

Ai, mas a morte é um caos, a morte é um mar de estrelas,
Se a vida é um pantanal de sonhos rebelados.
Ai, mas a morte é um século, de mil sóis enfeitado,
Quando a vida é uma lenda vazia e sem sentido.

Mas pode acontecer... ai! minha mente está cheia
Da divisão que ao mal o que é bom submete...
Quando o sol cai no poente e as estrêlas despontam,
Inclino-me também a crer que tudo é nada...

Bem pode acontecer que o céu parta em seus arcos,
E caia o nada, envolto na sua noite comprida,
E eu veja o céu de luto com as estrêlas errantes
Prisioneiras fugazes da morte sem retôrno...

Então, se isto ocorresse... então eternamente
Teu cálido suspiro jamais reviveria,
E a tua voz para sempre muda se tornaria...
Então, êsse anjo doce não passava de argila!


Entretanto, o que é pó formoso embora morto
No esquife, ao som da harpa rompida transfiguro,
E não choro a tua morte, pois mais feliz parece
Teu raio fugidio que rompe o caos terrestre.

E depois... quem pudera saber o que é melhor:
Ser ou não ser... Acaso alguém dizer pudera
Que há dôres no não ser, e negar que prazeres,
Poucos embora, vêm muitas vêzes das dôres?

Ser! Loucura triste e vã.
Mente o ouvido, e o ôlho a mente e engana.
Quanto um século diz, outros desmentem.
Em vez de um sonho vão, melhor o nada.

Vejo sonhos frustrados buscarem novos sonhos,
E tudo se acabar junto aos túmulos hiantes.
E não sei como possa borrar minhas idéias.
E vou rir como os loucos? Execrá-los? Chorá-los?

Para que?... Por acaso não é tudo loucura?
Tua morte, meu anjo, com que fim a criariam?
Senso existe no mundo? Tua imagem sorridente
Viveu para morrer assim, e assim apenas?
Se nisto houver sentido, é absurdo e ateu,
Na tua fronte pálida não está inscrito Deus.

(Mihail Eminesco. Antologia da Poesia Romena. p. 65/67)


2 comentários:

  1. Maravilhoso! Não conhecia o autor...

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  2. Fico feliz que tenha gostado! Mihail Eminesco é um célebre poeta romeno do período do Romantismo no país.

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