quarta-feira, 2 de março de 2016

O Fantasma e a Canção

Orgulho! desce os olhos dos céus sobre ti mesmo, 
e vê como os nomes mais poderosos vão se refugiar numa canção. 
(Byron)

- QUEM BATE? - "A noite é sombria!"
- Quem bate? - "É rijo o tufão!...
Não ouvis? a ventania
Ladra à lua como um cão."
- Quem bate? - "O nome qu'importa?
Chamo-me dor... abre a porta!
Chamo-me frio... abre o lar!
Dá-me pão... chamo-me fome!
Necessidade é o meu nome!"
- Mendigo! podes passar!

"Mulher, se eu falar, prometes
A porta abrir-me?" - Talvez.
- "Olha... Nas cãs deste velho
Verás fanados lauréis.
Há no meu crânio enrugado
O fundo sulco traçado
Pela c'roa imperial.
Foragido, errante espectro,
Meu cajado - já foi cetro!
Meus trapos - manto real!"

- Senhor, minha casa é pobre...
Ide bater a um solar!
- "De lá venho... O Rei-fantasma
Baniram do próprio lar.
Nas largas escadarias,
Nas vetustas galerias,
Os pajens e as cortesãs
Cantavam!... Reinava a orgia!...
Festa! Festa! E ninguém via
O Rei coberto de cãs!"

- Fantasmas! Aos grandes, que tombam,
É palácio o mausoléu!
- "Silêncio! De longe eu venho...
Também meu túmulo morreu.
O séc'lo - traça que medra
Nos livros feitos de pedra - 
Rói o mármore, cruel.
O tempo - Átila terrível
Quebra co'a pata invisível
Sarcófago e capitel.

"Desgraça então para o espectro,
Quer seja Homero ou Solon,
Se, medindo a treva imensa
Vai bater ao Panteon...
O motim - Nero profano -
No ventre da cova insano
Mergulha os dedos cruéis.
Da guerra nos paroxismos
Se abismam mesmo os abismos
E o morto morre outra vez!

"Então, nas sombras infindas,
S'esbarram em confusão
Os fantasmas sem abrigo
Nem no espaço, nem no chão...
As almas angustiadas,
Como águias desaninhadas,
Gemendo voam no ar.
E enchem de vagos lamentos
As vagas negras dos ventos,
Os ventos do negro mar!

"Bati a todas as portas
Nem uma só me acolheu!..."
- "Entra! -: Uma voz argentina
Dentro do lar respondeu.
- "Entra, pois! Sombra exilada,
Entra! O verso - é uma pousada
Aos reis que perdidos vão.
A estrofe - é a púrpura extrema,
Último trono - é o poema!
Último asilo - a Canção!..."

(Castro Alves)
Bahia, 13 de dezembro de 1869.
Espumas Flutuantes. p. 31, 1997

2 comentários:

  1. Boa tarde Katherine- vi teu blog no da Vanessa e vim conferir.. pelo jeito só os mais belos gostos..
    deixo aqui um dos primeiros sonetos que fiz a poetas e foi justo ao Castro Alves..

    CASTRO ALVES

    Pomba branca que voa... feliz na imensidão
    Dos céus iluminados... por belos castelos...
    Onde o canto ressoa... dando mais do que união
    Aos negros encantados... e um tanto singelos;

    Rei com uma coroa... que deu libertação
    Aos negros torturados... pelos tornozelos;
    Vitória que ainda soa... Chega de escravidão!...
    Todos já libertados... sem mais pesadelos;

    Que a tua estrela... possa nos céus despertar
    Coberta pelas plumas... formosas, brilhantes...
    E que sobre o alabastro... cantem tantas aves...

    Cantem a doce e bela... poesia a reinar...
    Cantem bem mais forte as espumas... flutuantes
    Do que as do triste navio negreiro, Castro... Alves;

    21-06-06 Soneto ao poeta Castro Alves

    tenhas um feliz dia até sempre

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    Respostas
    1. Agradeço o gentil elogio.
      Seu poema é belíssimo! E faz jus a este poeta tão importante em nossa história.
      Obrigada!

      Bid you adieu...

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